Economia

Uruguai reflete reorientação latino-americana dos EUA à China

nov, 13, 2023 Postado porSylvia Schandert

Semana202342

Sejam bem-vindos à “República Popular da China”, o nome de uma escola de ensino fundamental novinha em folha inaugurada num subúrbio deteriorado da capital do Uruguai. Foi construída como parte da ofensiva de “charme” de Pequim na América do Sul, que se dá em meio ao enfraquecimento da influência dos EUA na região.

“Ela transformou este bairro”, disse Laura Álvez, diretora da escola, uma construção de aço e vidro onde os alunos têm aulas de mandarim e aprendem a fazer os tradicionais bolos da lua chineses. As crianças mais pobres nunca chegaram a conhecer nada mais longe do que a praia dali, a 8 quilômetros, mas agora já sonham em ir à China, segundo Álvez.

O Uruguai é pequeno, democrático, relativamente próspero e está encaixotado entre os dois maiores países da América Latina, Brasil e Argentina. Deveria ser um aliado natural dos EUA na América Latina, segundo especialistas em política externa e antigos diplomatas, em vista de seus baixos índices de corrupção, respeito ao Estado de Direito e políticas pró-mercado, que o tornam uma ilha de estabilidade econômica e política numa região onde predominam líderes populistas avessos aos EUA.

No entanto, o Uruguai busca há anos, sem sucesso, um acordo de livre comércio com os EUA. O governo de centro-direita agora negocia um acordo com a China, que nos últimos anos tem incrementado as doações para escolas, hospitais e as Forças Armadas do país.

Há histórias parecidas por toda a região, de acordo com autoridades e ex-diplomatas. Eles dizem que a ineficácia do governo de Joe Biden em se engajar com governos da América Central e do Sul em diversas questões acabou aproximando-os de Pequim, mesmo enquanto a China sofre com a desaceleração econômica em casa e a perspectiva de taxas de crescimento mais baixas no longo prazo.

“Os EUA vêm perdendo uma grande oportunidade com o Uruguai”, disse Eric Farnsworth, que já foi do Departamento de Estado dos EUA e hoje é chefe do escritório de Washington da organização Council of the Americas, que promove o livre comércio.

“Não acredito que tenhamos realmente internalizado a ideia nos EUA de que há uma competição séria e significativa no Hemisfério Ocidental. Sempre fomos a única opção no tabuleiro”, disse Farnsworth sobre a atitude de Washington em relação à região.

Embora o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, tenha viajado para a região em 2022, numa tentativa de se aproximar com os líderes, os esforços de Washington muitas vezes nem sem comparam aos de Pequim, que nos últimos anos tem enviado uma série de delegações comerciais para a região e anunciado vários acordos e investimentos concretos, segundo analistas de política externa.

Um porta-voz do Departamento de Estado disse que os EUA têm uma “agenda sólida e dinâmica” no Uruguai e que o governo Biden tem trabalhado para aprofundar a “já forte relação comercial” com Montevidéu e promover investimentos do setor privado no Uruguai. Ele acrescentou que empresas americanas desempenham um papel significativo nos setores de tecnologia do país e participam de licitações de contratos do governo uruguaio nos setores de infraestrutura, aviação e segurança. Washington também ajudou empresas uruguaias a se expandirem nos EUA, disse.

Uma porta-voz do Gabinete do Representante de Comércio dos EUA disse que o órgão trabalha com o governo uruguaio para atualizar e modernizar o tratado Marco para o Comércio e Investimento (Tifa, na sigla em inglês), que define um arcabouço para a discussão de práticas regulatórias e a facilitação do comércio exterior. Ainda assim, na visão de alguns exportadores, a iniciativa está bem longe de ser um acordo comercial completo.

Nos últimos meses, em que políticos de esquerda assumiram o poder na América Latina, a influência dos EUA tem sido posta à prova. Migrantes rumando aos EUA atravessaram vários países quase sem impedimento e iniciativas anticorrupção promovidas pelo governo Biden fracassaram na América Central. E, em alguns casos, governos abertos a aprofundar os laços com Washington foram repelidos.

O Equador, assim como o Uruguai, tentou negociar um acordo comercial com os EUA, mas foi rejeitado. O governo, então, assinou um acordo com Pequim.

Mesmo críticos ferrenhos da China, como o ex-presidente Jair Bolsonaro do Brasil, permitiram que a chinesa Huawei participasse do leilão 5G em 2021, apesar dos apelos dos EUA para que ela fosse vetada. De acordo Fábio Faria, ministro das Comunicações de Bolsonaro na época, os EUA não ofereceram nada em troca do veto à Huawei. Quando questionado sobre o episódio, um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse ter encorajado os países da região a excluir “fornecedores não confiáveis e de alto risco de suas redes”. A embaixada chinesa no Uruguai não respondeu aos pedidos para comentar o assunto.

No Peru, a estatal de navegação chinesa Cosco está construindo um porto de águas profundas ao norte da capital, um projeto de infraestrutura altamente necessário para o país. Há duas semanas, o presidente colombiano Gustavo Petro reuniu-se com o presidente Xi Jinping em Pequim e fez elogios ao aprofundamento das relações, que poderia levar ao aumento das exportações para a China.

Jorge Heine, que foi embaixador chileno em Pequim e agora é professor de relações internacionais na Universidade de Boston, disse que os países latino-americanos voltam-se para a China para assinar acordos que não conseguem em outros países.

“Será que os países da América Latina deveriam parar de construir portos, túneis e pontes e apenas se contentar em ser subdesenvolvidos?”, disse Heine. “Há essa tensão, uma competição de grandes potências entre os EUA e a China, e na América Latina isso nos coloca entre a cruz e a espada.”

Falando em seu escritório de fachadas de vidro no centro de Montevidéu, o presidente de centro-direita do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disse que seu desejo era assinar um acordo comercial com os EUA e descreveu o que vê como um paradoxo na política externa americana dos dias de hoje.

“Os EUA, a terra da liberdade e do livre mercado, estão testemunhando um aumento do protecionismo”, disse em entrevista em seu escritório, decorado apenas com um grande quadro branco onde ele escreve a lista de tarefas de seu governo. Ele descreve a China, que planeja visitar daqui a duas semanas para avançar nas negociações sobre um possível acordo comercial, como mais aberta. O Departamento de Estado dos EUA não respondeu a um pedido para comentar a declaração.

Sendo um país com menos de 3,5 milhões de habitantes, que produz muito mais do que consome, o Uruguai não pode ser exigente, segundo Lacalle Pou. “Queremos acordos comerciais com todos os países.”

Isso não significa que ele tenha desistido dos EUA, ressaltou Lacalle Pou. A China absorve cerca de 25% das exportações totais do Uruguai, principalmente carne bovina, enquanto os EUA, apenas 6%. As compras dos americanos, entretanto, são do tipo que o Uruguai almeja expandir, como serviços e produtos de valor agregado, mais especificamente softwares de tecnologia da informação.

Em reunião em junho na Casa Branca, Lacalle Pou e o presidente Biden discutiram o comércio exterior. Embora não tenham negociado acordo comercial em grande escala, Lacalle Pou disse que os dois discutiram a chamada Lei de Parceria Econômica EUA-Uruguai, um projeto de lei que permitiria a entrada, livre de impostos, de alguns produtos uruguaios nos EUA. Biden disse que também estudaria como ajudar o Uruguai a exportar mais carne bovina para os EUA, segundo Lacalle Pou.

Por Samantha Pearson, Dow Jones — Montevidéu

Fonte: Valor Econômico

Para ler a reportagem original completa, acesse: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/11/12/uruguai-reflete-reorientao-latino-americana-dos-eua-china.ghtml?li_source=LI&li_medium=news-page-widget

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