Minérios

Ciclo do lítio deve frustrar esperanças de industrializar América do Sul

jul, 17, 2023 Postado porGabriel Malheiros

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Apesar de abrigar as maiores reservas do metal estratégico, a região não tem como competir com os generosos subsídios dos EUA e da Europa para atrair fábricas de baterias, veículos elétricos e outras tecnologias de transição verde. Apenas em casos pontuais – como no Brasil e no Chile – há alguns projetos isolados para a instalação de indústrias de veículos elétricos e de baterias na região.

“Há dúvidas sobre se a América Latina pode construir a infraestrutura e criar um ambiente regulatório que a tornaria atraente e competitiva para abrigar parte da cadeia de suprimentos, fornecendo rotas estáveis e seguras que compensem os custos de transporte para essas grandes regiões”, explica Bertrand Troiano, especialista em energia e transição verde da empresa global FTI Consulting.

A demanda por lítio deve se multiplicar por 40 nas próximas duas décadas, o que eleva o minério à mesma categoria do petróleo e gás como elemento de segurança energética mundial, segundo estimativa da Agência Internacional de Energia (AIE). Argentina, Bolívia e Chile, que formam o “triângulo do lítio”, têm 60% das reservas do minério do mundo.

Em tese, seria uma oportunidade para esses países atraírem investimentos em grande escala da florescente indústria da economia verde. Mas esses países também sofrem com inúmeros entraves, que incluem capacidade de financiamento limitada e mercado interno restrito, entre outras.

“Grande parte da região está pagando um preço alto por seu papel histórico de apenas contribuir com matérias-primas para as cadeias de suprimentos globais. As empresas de manufatura exigem e buscam economias de escala que não encontram na região”, disse o acadêmico especialista em América Latina do centro de estudos de Washington Inter-American Dialogue, Michael Shifter.

Segundo ele, a América Latina, e a América do Sul em particular, falhou em diversificar suas economias. Como resultado da dependência da exportação de commodities, a região carece da infraestrutura industrial necessária para converter o lítio em baterias ou outros produtos com maior valor agregado, acrescentou Shifter.

No Chile, apesar da reputação de país mais pró-mercado da região, o temor de intervenções governamentais em atividades privadas cresceu depois que o presidente Gabriel Boric publicou um decreto, em abril, determinando que as duas estatais de mineração controlarão o setor de lítio. Os chilenos estão em meio a um complexo processo constitucional, o que aumenta as incertezas – mesmo para investidores dispostos a aumentar as apostas no setor de lítio.

Indústrias de veículos elétricos chinesas têm manifestado interesse em se instalar no país, mas as negociações ainda estão em estágios preliminares.

A Argentina, por seu lado, parece menos interessada em projetos de industrialização de médio e longo prazo do que na diversificação rápida de sua carteira de commodities de exportação – em uma economia pressionada por anos de secas que reduzem suas safras agrícolas e sua crônica escassez de dólares – empenha-se mais em vender rapidamente o lítio de suas amplas reservas.

No primeiro trimestre deste ano, o país exportou US$ 233 milhões do produto, 133% a mais do que no mesmo período de 2022.

“A Argentina precisa de aliados estratégicos para impulsionar o crescimento de seu setor de mineração”, disse, por meio do Twitter, a secretária de Minas Fernanda Ávila. Seis novos projetos para produção de carbonato de lítio – que serão alimentados por três minas já em funcionamento – devem estar prontos até 2025.

Entre esses projetos está o que envolve a companhia chinesa Zijin Mining, segundo informou no início da semana a agência Bloomberg. A empresa está em negociações avançadas para construir uma unidade na Argentina que transformará algumas das enormes reservas de lítio em Catamarca – no triângulo do lítio – em cátodos usados para fabricar baterias de veículos elétricos.

Brasil e México, outros dois grandes detentores de reservas de lítio da América Latina, destoam ligeiramente do restante da região basicamente por já terem uma indústria automobilística consolidada e – numa exceção que confirma a regra – por serem as maiores economias latino-americanas e terem mais capacidade de fomento.

Em razão do tamanho de sua economia e de seu mercado potencial, o Brasil está atraindo US$ 5 bilhões de investimentos da chinesa BYD, que instalará na Bahia, provavelmente na antiga fábrica da Ford de Camaçari, uma planta para produzir carros elétricos e baterias.

A WEG está fazendo um grande investimento para expandir sua fábrica de baterias à base de lítio no Brasil, e também está investindo na infraestrutura de recarga de carros na região Sudeste.

Em relação à mineração do metal bruto, duas empresas canadenses, uma americana e uma australiana devem operar no “Projeto Vale do Lítio” no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Há dois projetos já em produção nessa região, da Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e da AMG Brasil.

A ofensiva chinesa para concentrar a cadeia de processamento de minerais críticos para a transição verde preocupa o Ocidente. Metade dos projetos de plantas químicas de lítio são planejadas para a China, segundo um relatório apresentado nesta semana pela Agência Internacional de Energia (AIE).

Segundo estudos, enquanto são necessários de 2 a 3 gramas de lítio para produzir uma bateria para um smartphone, um sistema de bateria de um veículo elétrico médio da Tesla, por exemplo, consome de 12 a 15 quilos do metal. E a mineração do lítio causa pegadas ambientais bastante significativas.

Esse impacto, estimam analistas, tem acelerado pesquisas para permitir, em pouco tempo, a substituição do lítio e outros metais que hoje integram a composição das baterias – o que indica que o ciclo do lítio pode ser mais curto do que se imagina.

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