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Economia

Brasil concentra vendas na China como nenhuma outra grande economia e isso pode ser um problema

jul, 11, 2022 Postado porSylvia Schandert

Semana202228

O Brasil foi o sétimo país com mais vendas para a China em 2021, posição que contribuiu para garantir superávit recorde na balança comercial brasileira no ano passado. Dentre os dez países que mais venderam produtos no ano passado para a segunda economia mundial, porém, o Brasil foi o que teve a pauta mais concentrada. Apenas dez produtos foram responsáveis por 91,4% do valor total que o Brasil exportou para a China no ano passado.

A fatia cada vez maior da China nas vendas do Brasil, com concentração em poucos itens, só tem paralelo com grandes exportadores de petróleo como Angola, Qatar e Omã (que vendem muito poucos produtos para a China) e expõe o desempenho dos embarques brasileiros não somente à volatilidade em curso das cotações de commodities como também à esperada desaceleração do país asiático, apontam especialistas.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta crescimento de 4,4% do PIB da China em 2022 após avanço de 8,1% em 2021.

Com uma dinâmica parecida com a do Brasil, embora com concentração menor na pauta exportadora, está a Austrália, quinto país com mais vendas à China no ano passado, com os produtos “top ten” respondendo por 88,2% do valor embarcado. A Rússia, décimo no ranking dos maiores exportadores, tem concentração de 75%. Taiwan é o primeiro fornecedor para os chineses, com os dez produtos mais vendidos alcançando 71,2% dos seus embarques. O quadro desses países contrasta com os de Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos, que seguem nessa ordem Taiwan entre os maiores fornecedores da China. Os três países têm concentração muito menor dos dez produtos mais vendidos: de 51,5%, 20,5% e 37%, respectivamente, segundo dados do governo chinês.

Entre os 50 maiores PIBs do planeta, somente a Nigéria (a 31ª maior economia global) e o Iraque (a 47ª) têm uma venda à China mais concentrada em dez produtos que a brasileira — prevista para ser a décima maior do mundo neste ano. Em ambos os casos, o petróleo é o principal produto aos chineses. O Iraque é o terceiro maior fornecedor da commodity ao país asiático e ela representou 99,3% das suas vendas no ano passado.

Mesmo sendo o sétimo maior fornecedor aos chineses no ano passado, o Brasil foi o líder na venda ao país asiático em apenas 48 produtos. O campeão nesse ranking foi o Japão, com 1.444 itens, seguido da Alemanha, com 856 produtos, e dos Estados Unidos, com 796.

Veja abaixo os volumes acumulados no ano, registrados de janeiro a maio de 2022, das 10 maiores exportações do Brasil para a China em contêineres. Os dados são do DataLiner.

Top 10 Produtos Exportados para a China em Contêineres | Janeiro 2022 – Maio 2022 | TEU

Fonte: DataLiner (clique aqui para solicitar uma demonstração)

Números disponíveis do lado do Brasil também mostram concentração nas vendas para a China. No ano passado os chineses absorveram 31,3% da exportação total brasileira, uma fatia nove pontos percentuais maior que a de 2017, mostram dados do Ministério da Economia.

A participação dos dez maiores produtos no valor embarcado permaneceu alta, avançando de 89% em 2017 para 91,4% das exportações aos chineses em 2021. Mesmo dentro dos “top ten”, há grande concentração. Os três produtos líderes da pauta — minério de ferro, soja e petróleo — somaram 80% do que o Brasil vendeu ao país no ano passado. Estes produtos são normalmente transportados em navios graneleiros e não em contêineres.

Veja abaixo o histórico dos embarques brasileiros de soja para a China de janeiro de 2021 a maio de 2022. Os dados são do DataLiner.

Exportações brasileiras de soja para a China | Janeiro 2021 – Maio 2022 | WTMT

Fonte: DataLiner (clique aqui para solicitar uma demonstração)

A estrutura concentrada das vendas para a China favoreceu o Brasil no ano passado, quando o minério de ferro bateu cotações históricas. Em 2021 os chineses compraram US$ 87,9 bilhões em produtos brasileiros, 29,7% a mais que no ano anterior. O desempenho contribuiu para um superávit comercial da balança brasileira recorde de US$ 61,4 bilhões.

“Como a pauta concentrada tem garantido superávits, há uma acomodação, sem esforço para diversificação”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Para ele, a vocação para embarque de commodities deve ser aproveitada, mas também com política paralela que estimule exportação de manufaturados.

Embora os preços ainda estejam contribuindo de forma positiva, a exportação brasileira já começa a sentir em 2022 alguns efeitos de ajuste de cotações de commodities. Em junho, destaca Castro, grande efeito nesse sentido veio do minério de ferro, aponta. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ME), a receita de exportação com a commodity caiu 40,5% em junho contra igual mês do ano passado. Houve redução de 4,3% na quantidade embarcada e os preços médios do item cederam 37,8% na mesma comparação.

Isso contribuiu, provavelmente, diz Castro, para a queda de 11,7% no valor das exportações para a China em junho contra igual mês de 2021. Com o desempenho, o país asiático absorveu 29,1% dos valores exportados pelo Brasil em junho deste ano, nove pontos percentuais a menos que os 38,1% de fatia que deteve em igual mês do ano passado. Os números incluem Hong Kong e Macau — nos dados chineses de comércio exterior, as duas localidades são contabilizadas de modo separado.

No acumulado do ano até junho, a participação da China na exportação brasileira caiu de 35,3% em 2021 para 29,1% neste ano. O preço médio do total do minério de ferro exportado pelo Brasil no período caiu 25,4% na primeira metade deste ano em relação a iguais meses do ano passado, contribuindo fortemente para uma queda de 31,5% na receita de exportação, em igual comparação. A quantidade também caiu, mas a uma taxa menor, de 8,2%.

“Como são poucos os produtos e muito representativos na pauta de embarques, um choque em um deles acaba tendo uma contribuição muito grande para as relações na pauta agregada”, explica Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

“A China passa atualmente por um momento particularmente delicado”, afirma Ribeiro. Pequim tem tentado reativar mais a demanda agregada, explica, por meio de estímulos da “velha China”, focado em investimentos na infraestrutura. Mas não se sabe, diz, se isso será suficiente porque a confiança para consumo desabou com os novos surtos de covid-19.

“Há dificuldade crônica de estimular a demanda dos consumidores chineses, o que faz sentido já que no limite as pessoas saem para o trabalho e não sabe se voltarão ao fim do dia porque pode haver um lockdown no meio do caminho.”

Houve recentemente um primeiro grande movimento de tornar alguns parâmetros menos agressivos nos protocolos chineses da covid-19, com redução do número do período de isolamento, mas a tolerância zero se manteve, conta Ribeiro.

“Embora a natureza desse choque seja muito específica, porque está muito concentrada no consumo das famílias, o grosso das políticas do governo chinês não olha para isso. Não existe programa de transferência de renda. Nem seguridade, de forma ampla. E a chance de medidas nesse sentido acontecerem em curto espaço de tempo é quase zero.” Em vez disso, explica, as medidas chinesas têm sido focadas nas empresas, priorizando infraestrutura, concessão de crédito para companhias e manutenção de ampla liquidez.

Diante desse quadro, a estimativa da BRCG para o crescimento do PIB chinês em 2022 é de 3,8%. “Para chegar a 4% será preciso muito briga. Para 4,5%, um esforço monumental”, avalia Ribeiro.

Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector, projeta crescimento entre 3,5% a 4% para a economia chinesa neste ano. “O crescimento da China deve passar de uma média anual de perto de 5,5% nos últimos três anos para um média entre 3% e 3,5% no próximo triênio. Uma redução com grande impacto porque estamos falando da segunda maior economia do mundo.”

Nesse cenário, segundo Ribeiro, os produtos agropecuários exportados pelo Brasil, como soja e carne bovina, são os que mais podem ser afetados no curto prazo. “Porque há restrição de consumo no momento. A restrição não é inflacionária, mas é pelo aumento de propensão marginal a poupar, que tem impacto em tudo.”

Outro ponto desfavorável para a carne bovina, avalia Ribeiro, é que ela não é a proteína padrão do consumo chinês, que é a carne de porco. No caso da soja, usada como ração para criação de frango e porcos, diz, as importações estão mais devagar neste momento porque o preço de venda da ração no mercado chinês estava abaixo do custo de moer a soja, sintoma secundário do menor nível de consumo no país.

No setor extrativo, a demanda por volumes de minério de ferro, avalia o economista, deve sofrer relativamente menos em razão da tentativa da China de manter investimentos mais acelerados. Já no petróleo, diz, a opção chinesa de comprar mais da Rússia pode deslocar outros mercados, o que pode afetar o Brasil.

Em 2021 a China absorveu, em valores, 70,4% de toda soja exportada pelo Brasil. No minério de ferro a fatia foi de 69,7% e no petróleo, de 46,6%. Os chineses também compraram 56,2% de toda carne bovina congelada desossada brasileira embarcada no ano passado. O Brasil foi no ano passado o maior fornecedor de soja e carne bovina desossada congelada para a China, o segundo de minério de ferro e o sétimo de petróleo.

Para Silveira, mesmo com a desaceleração global e a da China, com efeitos nos preços de commodities importantes na pauta de exportação, a balança brasileira deve fechar 2022 com superávit relativamente robusto, entre US$ 45 bilhões e US$ 50 bilhões. A luz amarela, porém, se acende para o ano que vem, quando o saldo comercial pode ficar mais achatado e não contribuir mais de forma tão favorável para o setor externo.

Fonte: Valor Econômico

Para ler o texto original completo acesse: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/07/10/brasil-concentra-vendas-na-china-como-nenhuma-outra-grande-economia-e-isso-pode-ser-um-problema.ghtml

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